sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sobre faltas e cicatrizes



- Somos todos iguais, você não vê?
- Iguais? E por que você acha isso?
- Eu, você, todos somos. Vivemos em busca de algo que não sabemos o que é, e nunca, nunca estamos satisfeitos. Buscamos diversão, e quando conseguimos, queremos alguém para amar. Quando amamos, queremos uma casa, quando temos, queremos um carro, depois a casa já não é boa o suficiente, depois queremos família, e quando temos, sentimos falta de quando éramos solteiros. Somos seres frustrados.  Esquecemos de ver as belezas das nossas vidas, e desejamos copiosamente a vida de outrem. Isso acontece com todos, não se culpe. Eu também sou assim. 
Julgamos quem está ao nosso redor, apontamos dedos, quando deveríamos, em primeiro lugar, olhar para o espelho, e lá sim, apontar dedos. Machucamos porque não queremos ser machucados. Fazemos sofrer para não sofrermos. Somos medrosos. Poucos hoje em dia pulam de cabeça em algo. Analisamos demais. Pensamos demais. Vivemos de menos. E o tempo passa, sabe?
O tempo passa e não volta. E isso só nos gera mais frustrações. 
Maldita sociedade que criamos, viu. Andamos na rua, e todos estão olhando para seus smartphones, ou com fones de ouvido, sem observar ao seu redor. Poucos são os que param para observar a cidade onde vivem. E queremos viajar! Queremos conhecer lugares! Queremos aventuras! Mas não deixamos de tirar uma "selfie" numa festa para simplesmente aproveitá-la. Precisamos mostrar ao mundo onde estamos, o que estamos fazendo, e com quem. 
As vezes sinto vergonha. Tantas pessoas desejando ter a vida que eu levo, e eu reclamando.
Vivi um grande amor, tenho família, um carro do ano, uma casa, dois filhos e um cachorro no quintal. E reclamo. O que me falta? Para ser feliz, nada. Para acabar com minha solidão e minha frustração, muito. Mas eu fiz uma escolha, e devo conviver com ela.
Você entende? Todos temos cicatrizes. Algumas, podemos ver de longe, como uma marca que a vida deixou. Outras, estão emaranhadas em nosso ser. Tão profundas e nossas que ninguém mais sabe que estão lá. Mas estão. Temos feridas que não cansam de abrir também, e não cicatrizam nunca. 
Dizem que nenhuma dor dura mais de 5 minutos, desde que você não alimente ela. Eu faço isso o tempo inteiro. Coloco o dedo como se fosse uma criança incomodada com a casquinha de uma ferida. E sangro. De novo, e de novo. Não consigo deixá-la cicatrizar. E os 5 minutos já se foram faz tempo.
Não sei lidar com minhas frustrações, muito menos com minhas cicatrizes. E talvez seja por isso que seja infeliz. Quero ter tudo, mas mesmo se tivesse, acharia que não é suficiente.
Me escuta, garota. Viva! Aproveite! Mas não feche os olhos pra você mesma. Não ignore uma dor que está sentindo, ou uma cicatriz que se forma. Elas são suas! Fazem parte de você! Não esqueça que somos seres faltantes, marcados, e o que muda, é apenas a maneira com que encaramos isso.
Se você será feliz ou infeliz, só você irá mostrar. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Strip Tease



Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".
Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."
Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".
Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: "Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.  



Martha Medeiros, 2001.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Identidade

 

Veja bem, doutora. Eu sou drogada. Dro-ga-da. Entendeu? Não preciso ser uma estudante, nem ter sonhos, e também não interessa se eu gosto de ler e viajar. Ser drogada já me consome tempo demais.
Sou viciada em heroína. O meu caso de amor com ela começou quando eu tinha 13 anos, e hoje, aos 15, já não sei mais quanto tempo me resta. A heroína é uma droga que nos mata aos poucos, doutora. E se hoje estou aqui falando com você, amanhã posso não estar mais.
Sim sim, eu já tentei parar diversas vezes. Mas parece que meu corpo se apaixonou por essa droga. Ele sente falta, e não é uma falta que pode ser curada com uma bala de menta ou uma droga mais leve. Não. É uma falta que me faz passar mal, me contorcer, gritar de dor, aclamar por "um pico". Quando finalmente paro de lutar e me entrego novamente à ela, doutora, digo sempre que é a ultima vez. Mas já é a última vez há muito tempo.
Sou invisível, doutora. Passo na rua e as pessoas não me veem. Nunca viram. Não há mais esperança para mim. Todos já desistiram. Ser drogada também é isso sabe? Ser invisível faz parte do processo. 
Eles me veem como uma doença. Um mal da sociedade, como se eu estivesse apenas esperando a morte chegar. E dizem que a culpa é minha. Mas não vejo desta forma. Podia ser seu filho, doutora. O que você faria? Desistiria dele também? Não, né? Então porque desistem de mim?
Eu costumava acordar cedo e ir estudar, depois ler e passear no parque. Eu costumava ser feliz. Agora tudo gira em torno da heroína. Não sou mais sonhadora. Sou drogada. Não sou mais uma menina de 15 anos. Sou drogada. Não serei advogada. Sou drogada. Deixei de ser tudo isso quando me apaixonei pela heroína. Sou drogada. E não sou nada além disso porque todos me fizeram acreditar que não tem mais volta. Eu mesma acreditei que não sou nada. Por que? Me responda, pare de balançar a cabeça! Preciso de respostas, senão a loucura me alcançará antes da overdose. Preciso de respostas.
Sabe, doutora. Talvez esse seja o problema. Por que não me veem mais como um ser humano? Parece que as pessoas tem medo de mim. Como se ser drogada fosse uma doença contagiosa.
Se tivessem me ajudado antes, doutora, eu não estaria aqui hoje.


ps: Texto escrito após assistir ao filme: "Eu, Christiane F. 13 anos, Drogada e Prostituída".

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Sobre inícios, insistências e paixões


O início de um relacionamento é sempre inspirador. É aquele sentimento de euforia com algo que não sabemos ao certo se vai funcionar, ou se vai nos fazer felizes. Desejamos. Esperamos. Torcemos. 
É aquele frio na barriga que nos deixa com vontade de gritar aos quatro ventos como somos felizes, como estamos bem, como estamos animados!
É sentir as pernas bambas. E gostar disso.
É dormir sonhando, e acordar sonhando também. É imaginar não onde estamos, mas aonde queremos chegar.
O problema é que, como tudo na vida, tem prazo de validade. E quando isso acontece, sabemos a diferença entre algo que veio pra ficar e algo que veio apenas para bagunçar nossa vida. 
Tive um professor que, em uma aula qualquer, parou e disse: "Uma paixão pode durar por muito tempo. Podemos nos acostumar com a sensação de euforia que a paixão nos traz, e achamos que é amor. Mas quando a euforia passa, é nas adversidades que vemos o que sentimos realmente. Quando é amor, ele sobrevive às diferenças, e somos capazes de amar mais a pessoa que está conosco quando conhecemos seus defeitos. Já a paixão não sobrevive. Ela é utópica. Projetamos uma pessoa para ser como queremos que ela seja, e nos vendamos aos seus defeitos, por um tempo. Quando já não conseguimos mais esconder, nem nos iludir, acaba. Porque a paixão é frágil.".
A euforia se vai, o frio na barriga some, as pernas bambas tornam-se firmes ao chão. Nossa imaginação já não da mil voltas, e temos a realidade como nossa aliada. E, de repente, o que nos trazia felicidade, agora nos traz angústia.
Assim como os inícios de relacionamentos, os inícios de ano também são inspiradores. É aquela sensação de, no dia 31 de dezembro, às 23:59, olhar pro céu, lembrar do ano que passou, e fazer mil planos para o ano seguinte. É começar um ciclo novo, é se reinventar. É aquela sensação de que podemos ser quem quisermos, e fazer tudo o que sonhamos.
Mas, assim como nos relacionamentos, a euforia passa. Com o passar dos dias, temos a sensação de que tudo permanece da mesma maneira que no ano anterior. Mesmos problemas, mesma rotina. Mesmas coisas. E realmente permanece. Mas não porque a vida está sendo ingrata com você, ou injusta, e sim porque você não mudou. Os anos passaram e você permaneceu o mesmo. Esperou que o universo se reinventasse, mas você estagnou-se no seu mundinho. Não saiu da sua zona de conforto. 
Sonhou. Mas não fez nada para que seu sonho se realizasse. Esperou que ele caísse do céu. Lamento, mas a única coisa que cai do céu, nós sabemos o que é. 
E há pessoas que desistem de algo porque sofreram. E, para essas pessoas, eu faço minhas as palavras de Rocky Balboa: "O mundo não é um mar de rosas, é um lugar sujo, cruel, que não quer saber o quanto você é durão. Vai botar você de joelhos e você vai ficar de joelhos para sempre se você deixar. Você, eu, ninguém vai bater tão forte como a vida, mas não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, é assim que se consegue vencer."
Nesse ano não se intimide se a vida for injusta com você, faça diferente, aguente. Erga a cabeça e siga em frente. Já dizia Mário Kühne, "O sol nasce para todos, mas a sombra é só pra quem faz por merecer".
O mundo não é um mar de rosas; é um lugar sujo, um lugar cruel, que não quer saber o quanto você é durão. Vai botar você de joelhos e você vai ficar de joelhos para sempre se você deixar. Você, eu, ninguém vai bater tão forte como a vida, mas não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. É assim que se consegue vencer. | Mellho
O mundo não é um mar de rosas; é um lugar sujo, um lugar cruel, que não quer saber o quanto você é durão. Vai botar você de joelhos e você vai ficar de joelhos para sempre se você deixar. Você, eu, ninguém vai bater tão forte como a vida, mas não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. É assim que se consegue vencer | Mellho
O mundo não é um mar de rosas; é um lugar sujo, um lugar cruel, que não quer saber o quanto você é durão. Vai botar você de joelhos e você vai ficar de joelhos para sempre se você deixar. Você, eu, ninguém vai bater tão forte como a vida, mas não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. É assim que se consegue vencer | Mellho